sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma noite alucinante I


Depois de atravessar baía de Alcântara em uma canoa que quebrou o remo, chegamos (eu, Rafael e Ighor) ao cais de Alcântara, com apenas o dinheiro de pagar a passagem de volta a São Luís e alguns trocados para um lanche. Mais teríamos que procurar um local pra dormi, pois era 18:00h e não havia mais nenhum barco para São Luís naquele dia.
- E agora o que agente faz?
- Vamos dormi na igreja, é a casa do senhor. O padre deve entender nossa situação. Eu falei.
Começamos a percorrer a principal rua que leva a Praça da Matriz que é a parte mais alta da cidade, reservada para os prédios públicos, igrejas e grandes sobrados. No caminho eu tive uma idéia:
- Vamos conversar alto para as pessoas saberem que estamos precisando de um local pra dormi, vai que exista alguma alma boa e nos ajude?
- É mesmo. Rafael fala com um tom de ironia e Ighor fica sorrindo.
Sempre que estávamos passando por um grupo de pessoas na rua começávamos a falar altas frases como:
- Cara, será que agente consegue um local pra dormi?
- Perdemos o último barco e não temos dinheiro para dormi em um hotel.
As pessoas olhavam três jovens descalços, sujos de lama, fendendo, queimados de sol, Ighor com seus olhos sempre vermelhos e com mochilas nas costas. Hoje eu reconheço que, dificilmente iríamos conseguir ajuda voluntária na cidade de sobrados, feita de paredes de pedra e cal e ainda com fachadas revestidas por azulejos portugueses, que foram tombadas pelo Iphan em 1948 como “Patrimônio Nacional”. Chegamos à igreja e para nossa surpresa, estava fechada. Batemos várias vezes e nada, a igreja fica numa elevação com uma vista privilegiada da baía e das redondezas. Dá até para avistar no horizonte, alguns prédios de São Luís.
- Por que agente não dorme aqui?
Colocamos as mochilas no chão e sentamos, nos fundos da igreja. Estávamos diante de uma vista espetacular, o mar ao fundo e os últimos raios de luz no céu, mais uma coisa fez agente sair de la. Muita “muriçoca”, “praga” ou mosquito seja la como você conheci esses insetos, alem de um inseto bem pequeno que eu conheço como “maruim”, tinha bastante. Esse monte de insetos era devido a um enorme manguezal que cerca toda a cidade de Alcântara. Não foi uma boa idéia ficar ali, levantamos e continuamos a vagar pela cidade até cruzarmos um monte de velhinhas andando e cantado, tocando uns tambores com suas vozes arrastadas (parecia uma procissão). Chegamos à praça matriz onde se realiza as principais festas da cidade, mais a praça estava quieta, sombria e úmida (havia chovido naquela tarde). Encontramos um beco e tive uma triste idéia:
- Vamos dormi ali?
- Ta muito úmido, como agente vai deitar naquele chão úmido? Tu é louco? Isso foi o que Ighor respondeu. E logo em seguida eu disse:
- Agente vai dormi aonde? Numa calçada? No meio do frio? Em todo lugar ta molhado.
Continuamos a andar e vimos um cyber que vendia lanches, nessa hora Rafael disse:
- Eu to com fome, vamos ver o que tem pra comer ali.
O cyber tinha cinco computadores e um cliente acessando, sentamos no balcão e perguntamos o que tinha pra comer. Pastel, foi o que Afonso, o dono do cyber disse. Pedimos vários pasteis, depois de horas sem comer ou beber aquilo era uma excelente refeição. Descobrimos, com Afonso, que em Alcântara existe uma moeda paralela ao real chamada “Guará” Rafael pediu para olhar uma cédula e continuamos a usar a mesma tática, falando que não tínhamos onde dormi, quase morremos na baía e o Afonso apenas ficava sorrindo das histórias, e nos riamos aquele riso de desespero e pensando: “Putz, esse cara não vai oferecer um local pra dormirmos?”. Até que uma hora eu disse:
- Cara, tudo que agente queria era uma sala para deitarmos no chão.
Eu quase falei que poderia ser uma sala de cyber que vendia lanches. Afonso continuava sorrindo, Rafael e Ighor também. Até que teve uma hora no auge do desespero eu disse:
- Afonso, será que agente pode dormi aqui na tua sala?
- Rapaz, infelizmente não vai dar (ele falou isso sorrindo).
Dava pra entender, colocar três estranhos em casa não seria um ato muito prudente, ainda mais que ele tinha mulher e filha. Saímos do cyber e sentamos em sua calçada, retiramos o caderno de anotações e os equipamentos (binóculos, cantil, camelbak...) e começamos a passar a limpo o que havíamos visto no ninhal dos Guarás. Nessa hora, passa do outro lado da rua um rapaz moreno e magro, vestindo um short grande e olhando para nosso equipamento. Ele se afasta e some nas ruas escuras de Alcântara. Aparece então à pequena “Lua”, filha do Afonso. Tinha uns 7 ou 8 anos e começa a conversar conosco, Rafael faz três origamis (do japonês: de oru, "dobrar", e kami, "papel”) que é a arte tradicional japonesa de dobrar o papel, criando representações de determinados seres ou objetos com as dobras geométricas de uma peça de papel, sem cortá-la ou colá-la. Lua acha bonito e ganha os origamis feitos por Rafael, duas estrelas e um camelo. Do outro lado da rua, o moreno magro de feições fortes passa novamente e eu digo:
- Ei Ighor, Rafael, da uma olhada naquele elemento do outro lado da rua. Já é a segunda vez que ele passa pela gente e fica olhando para nossas coisas.
Ele continua andando e dobra uma esquina, guardamos os equipamentos e a mulher do Afonso chega nessa hora perguntando sobre o que fazíamos.
- Somos estudantes de Biologia. Viemos observar os Guarás.
- Interessante, quer dizer que perderam a lancha pra São Luís?
- Foi.
- E vão dormi aonde?
- Não sabemos ainda, vamos procurar alguma calçada.
- Não! O que é isso? Eu consigo um local para dormirem, tem um jardineiro nosso que ta num casarão aqui perto, daqui a pouco ele chega e vocês podem dormi la.
- Poxa, obrigado.
O Afonso poderia ter sido mais gentil como sua esposa, não sei se ele foi cuidadoso por causa da mulher e filha ou se ela foi uma mulher ingênua que acredita nas pessoas. Mais tudo bem, estávamos aliviados (tínhamos um local pra dormi, era só isso que importava). Novamente o moreno passa do outro lado da rua mais uma vez, sempre olhando paras nossas mochilas e mais uma vez ele caminha até desaparecer na escuridão do final da rua.
- Esse cara ta querendo algo.
- E se ele seguir agente e tiver armado?
Passado certo tempo e nos ali na calçada conversando, a pequena Lua brincando com seus origamis, ouvimos a mulher do Afonso dizer que poderíamos ira para o casarão onde estaria o jardineiro.
- Ele é la de São Luís, esta cuidando do jardim da prefeitura. Acho que ele vai embora amanha também.
- Ele mora em qual bairro? Eu perguntei. E ela respondeu:
- No coroadinho.
O coroadinho é um dos bairros mais violentos de São Luís. Mais o cara era um trabalhador, jardineiro! Estava ali para trabalhar para a prefeitura de Alcântara, fomos então para o casarão. Rua deserta, escura e um silêncio terrível. O casarão parecia abandonado, muito sujo e com os rebocos das paredes caindo os pedaços, a porta se abre e para nossa surpresa, demo de cara com o moreno magro e de feições rudes que há algumas horas estava passando pela gente, pegamos um susto. Explicamos o que tinha acontecido com agente e que a mulher do Afonso nos enviara para la.
- Sem problema, podem entrar e ficar à-vontade. Eu vou dormi la em cima com um colega meu e vocês podem ficar onde acharem melhor.
Entramos no casarão e constatamos que estava realmente abandonado, o único móvel que vimos foi um sofá todo rasgado e fedido no meio de um corredor, no final do corredor havia uma escada muito suja que levava ao andar superior.
- Cara, e agora?
- Eu vou dormi aqui. Foi o que Ighor respondeu.
Resolvemos subir a escada e ver o que tinha la em cima, a escada levava a uma varanda no segundo andar que estava completamente suja de lixo, urina e fezes de gente.
- Vamos procurar outro lugar pra dormi. Esse cara tava passando pela gente toda hora e já observou que agente tem equipamento de valor.
- Se esse cara for um mau elemento, pode matar nos três aqui, nos roubar e ir para o coroadinho em São Luís, quem vai saber quem matou agente?
- Aqui ta sinistro mesmo.
Nessa hora o meu celular começa a tocar. Pronto, agora nosso amigo sinistro já sabe que alem dos equipamentos também temos celulares.
- Alô? Quem ta falando? Era minha namorada preocupada comigo, pois eu não havia chegado a São Luís.
- Agente perdeu o barco, mais estamos voltando amanha na primeira lancha.
- Estar tudo bem ai?
- Claro, tenho que desligar agora, depois te explico certo?
Saímos do casarão e fomos avisar ao Afonso e sua mulher que iríamos procurar outro lugar, explicamos os motivos foi quando ela compreendeu e falou:
- Tem outro lugar, a casa de cultura de Alcântara.
- Beleza.
A casa de cultura estava se preparando para a Festa do Divino, a festa tem seu ápice durante o domingo de Pentecostes (50 dias após a Páscoa), mas os rituais começam na quarta-feira da semana anterior, quando o Mastro do Divino, um tronco de 10 metros, é levado pelos devotos do porto até a Praça Gomes de Castro. Acompanhados de músicos e sob foguetório, eles fixam no alto do tronco a bandeira do Divino. Fomos bem acolhidos na casa, tomamos banho, e separaram um tapete enorme no chão de uma sala para deitarmos. “Ufa, conseguimos”, deitamos no chão um ao lado do outro e começou uma chuva de “muriçocas” de madrugada. Eu levantei minha cabeça e olhei no fundo do salão a estátua do Divino em cima de uma mesa, a mesa estava coberta por uma toalha. Levantei-me, retirei a toalha, voltei para o chão e me enrolei. Na manhã seguinte, Rafael e Ighor estavam com muitas marcas de picadas de muriçocas, a “toalha do Divino” me protegeu. Pegamos a lancha de volta a São Luís antes das 6:00. Estávamos indo de volta para casa.

12 comentários:

  1. Tinha que ser com vocês... Já morri de rir aqui!

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  2. É isso que eu ganho andando com dois "pé de geladeira".

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  3. - nossa, por um lado uma onda de azar e por outro lado um MAR de sorte. kkkkk, morri com a " toalha do divino" . Booa essa eein .

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  4. vc passa por kda uma, q sorte a sua hem!!!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. kkkk!!! quem ia da abrigo a vcs !!! com higor com aqueles olhos vermelhos!kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk o peessoal ia pensar é so maconheiro !kkkkkkkkkkkkkkkkk

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  7. Olha vou te contar viu... eu fiquei só imaginando vcs perambulando por Alcantara, só faltou Mike Jagger pra ta junto com vcs!!
    E esse origami de camelo de Rafael aí é famosão, por acaso não é um camelo de 3 patas??? ahuhauhsuha Foi esse que ele ensinou.
    Da proxima vez me chama pra ir junto!! kkkk

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  8. é faltou o Mike, quanto ao camelô eu nao lembro quantas patas ele tinha!!!

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  9. Do nada, agora eu sei quase tdo sobre Alcântara...

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  10. Esse é o camelo da sorte... Por onde ele passa abrem-se portas. Diga-se de passagem, dessa vez foi uma porta cheia de doces do divino e um "tapetão" como cama! hahahahhaa

    Só pé de geladeira mesmo pra seguir Emílio - o cara que sempre diz: "relaxa, vai dar tudo certo" kkkkk

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  11. Oras, mais sempre deu tudo certo. Relaxa, sempre vai dar certo. rsrsr

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