sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Ilha do Cajual


No outono de 2007, eu levei um grupo para conhecer de perto a Ilha do Cajual. Há mais ou menos 95 milhões de anos caminhavam nessa ilha alguns animais hoje extintos, era um local com algumas plantas que pareciam samambaias, espalhadas ao longo de praias no litoral e alguns pântanos. Nesses pântanos, ocorriam crocodilos e os maiores predadores que o mundo já viu... os dinossauros. Entre os dinossauros já descritos pela ciência, a Ilha do Cajual comportou dois pesos pesados, o espinossauro e o carcharodontossauro. Ainda bem que eles não estavam la quando eu e um grupo de jovens resolvemos ver o que sobrou desses animais extintos a milhões de anos, ou seja, os seus fósseis. Chegando na ilha, após atravesar a Baía de São Marcos e o canal do Boqueirão em um Catamarã, colocamos as mochilas, mantimentos e as barracas na praia deserta e fomos conhecer as falésias da ilha e entender como ocorre o processo de preservação de restos orgânicos que se chama fossilização. Caminhando alguns quilômetros de praia deserta chegamos a primeira falésia, depois de algum tempo fomos para a segunda falésia, o grupo ficou empougado e o sol da tarde é encoberto por nuvens de chuva, derrepente o céu está fechado e começa a chover. Eu disse:
- Galera, vamos voltar rápido e armar as barracas e colocar nossas coisas dentro por causa da chuva.
Barracas arrmadas, chuva na praia, raios, o som dos pingos d´agua na vegetação da Ilha e nessa hora surge uma das paixões nacional, uma bola de futebol. Começa uma pelada na chuva, numa praia deserta, numa ilha quase deserta, exceto por alguns moradores no centro da ilha, mais distante de onte estávamos. A noite chega e tudo estar perfeito, Adjaci aparece com uma bandeija de 40cm de circunferência cheia de arroz e frango, farofa, pães, água, até misto levaram. A fogueira é feita e um violão surge na noite, a essa altura uma garrafa de 51 está quase seca e o vento leva o som dos versos de Renato Russo, vocalista do Legião Urbana, para o interior da ilha:
-“ Será só imaginação, será que nada vai acontecer...”
É realmente será que não iria acontecer nada? Aconteceu. Do interior da ilha saiu um Austríaco que mais parecia a Xuxa Menegel com uma certa dose de testosterona. Ele chega próximo a fogeira e começa a conversar com os jovens, nessa hora eu me aproximo:
- Boa noite.
- Boa noite. A xuxa responde, ou melhor o austríaco que depois o pessoal ficou chamando de “gringo”.
- Algum problema? Eu preguntei.
- Você é o responsável por esse grupo?
- Sim, o que aconteceu?
Esse austríaco estava em uma casa de propriedade de uma ONG chamada AMAVIDA, ele estava incomodado com o som que os jovens estavam cantando, enquanto eu conversava com ele, eu percebo Ana Paula passar perto e falar ao celular:
- Mãe, tem um gringo aqui que ta dizendo que se agente não para de fazer barrulho vai matar agente!!!
Meu Deus, que merda que a Ana Paula ta falando com a sua mãe? Um outro jovem, o Stênio, pega uma tora de madeira e pensa em resolver as coisas de um jeito nada amistoso, conversa vai conversa vem, eu digo para todos se acalmarem e o gringo retorna a seus aposentos com a idéia de que as músicas iriam parar.
- Pessol se vocês quiserem cantar, podem cantar, mais cantem mais baixo. Agente tá em uma ilha isolado de tudo, se acontecer alguma merda aqui é complicado resolver. Aqui não tem nada e o próximo barco que chegará vai ser o nosso catamarã amanhã a tarde.
A noite continua, a bebida tambem, as músicas são variadas desde Manonas Assassinas até Red Hot Chili Peppers, Rômulo não consegue dar três passos sem cair de cara na areia e chega uma hora que temos que dormi. No outro dia, vamos conhecer a famosa Laje do Coringa, um grupo de rochas que fica exposta apenas quando a maré está baixa, o sol é muito forte mais fomos até la, passando por quase dois quilômetros de lama até chegar na Laje. Conseguimos ver alguns fósseis e retornamos para uma sombra na beira de uma falésia. Sol escaldante, calor infernal. Alguem que eu não recordo me diz que a Mariana Pinho não estar se sentindo bem, ela estar na barraca, fui até la.
- O que tu ta sentindo Mariana?
- Tô com corpo ruim.
- O catamarã ta pra chegar, da pra aguentar?
- Dá.
Isso já era depois do almoço, e o Catamarã iria chegar umas quatro da tarde. De subido o tempo muda, de calor infernal, nuvens muito carregadas cobrem o céu.
- Pessoal coloquem as coisas nas barracas, vai cair um temporal.
Nessa hora todo mundo se ajuda, principalmente Ronny, Fernanda e Flávia que eu tinha convidado para me darem uma força nessa viagem. Eu entro na barraca da Mariana e ela diz que está sentindo uma dor muito grande nas pernas. O temporal começa, a temperatura cai de uma forma dramática, Mariana diz sentir muito frio, eu começo a colocar os seus cobertores em suas pernas.
- Ei pessoal, tragam cobertores para cá rápido!!!
Várias pessoas começam a levar cobertores para lá, Mariana diz não sentir as pernas. Eu pego no seu pé e aperto com muita força:
- Ta sentindo alguma coisa?
-Não
Ela ta com princípio de hipotermia, eu pensei. A chuva aumenta e a barraca rasga e começa a entrar água na barraca, Rômulo fica na entrada da barraca juntando água que se acumula na barraca e joga para fora, eu chamo mais gente para ficar abraçando Mariana para tentar esquentá-la. Saio correndo La para a base da AMAVIDA na esperança do Austríaco ter algo, ele me consegue um papel aluminho enorme. Perfeito! Chegando à barraca eu coloco o papel por cima da Mariana.
- Emílio, eu não sinto mais meu corpo e não to conseguindo respirar direito.
Nessa hora não da pra se fazer nada, só esperar. O Catamarã chega, Mariana é colocada no barco e no meio da viagem eu ligo para o meu primo (Filho) que imediatamente foi de carro La para o porto do cais nos esperar para levar Mariana ao hospital, ao longo do retorno eu fico com Marina o tempo todo, ele volta ao normal aos poucos e quando chegamos ao cais, ela consegue sair andando e dizer que não precisava ir ao hospital. Dias depois eu fiquei sabendo que ela estava com dengue antes da viajem mais não falou nada a ninguém, pois queria muito conhecer as ilha dos dinossauros.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Energia elétrica


Certo dia, eu procurava macacos perto de uma área popularmente conhecida como Reserva Florestal Novo Milênio, município de Camamu – BA e econtrei o seu João, que é este homem que eu converso na foto acima. Até hoje me lembro como se fosse ontem o dia que eu entrei em sua propriedade, como eu e o grupo que andava comigo (Cambará, Rafael, Mariana e Míriam) estávamos com equipamento de playback, máquinas fotográficas, GPS , cantil e mochilas, o seu João me fez uma pergunta que nunca saiu da minha cabeça:
- Vocês são do Globo Repórter?
- Não. Como é seu nome?
- João.
- Somos pesquisadores e procuramos por macacos, estamos desenvolvendo um trabalho para ajudar na preservação dos macacos da região.
Seu joão era um sujeito incrível, ele tinha nascido la e criado toda a sua família, já tinha filhos grandes e depois que ficou sabendo do nosso trabalho falou de várias histórias que teve na sua pequena terra.
- Criei todos os meus filhos aqui nessa beira de grota, só que agora ta complicado.
- Por que seu João?
- Como os terrenos aqui na área são muito cheio de quedas, tão querendo tirar todo mundo daqui pra fazer uma usina pra gerar energia. Vão acabar com a cachoeira e tirar agente daqui.
Gerar energia! Hoje quando eu penso em energia, sempre me lembro do seu João e toda a sua família. Meninos pelados na beira do córrego, o filho pequeno com vontade de ir até na cachoeira, mais como não sabe nadar fica só imaginando o dia que irá chegar até ela, sua esposa lavando trouxas e trouxas de roupa e logo depois chamando as crianças para irem para casa que já estava tarde, as noites e tardes de pescaria entre seu João, amigos e compadres, as brincadeiras da mulequada no pequeno sítio, as passarinhadas nos domingos e a marcação na baladeira de quantos pássaros foram abatidos, as rodas de fogueiras à noite para se protegerem do frio, os carrinhos de plásticos no dia das crianças e o seu amor pelos bichos que visitavam a sua propriedade como os macacos sagüis. Macacos estes que todas as vezes que o seu João chamava, eles apareciam. Os cachorros começavam a latir e as crianças faziam a festa. Seu João então começava:
- Nico nico nico nico nico nico...
Os sagüins apareciam e começava a festa, ele os alimentava e conversava com agente com muita alegria, como se nunca ninguém tivesse se preocupado com o destino daquela família e dos sagüis. O projeto esta pronto pra ser aprovado, a pequena hidrelétrica iria gerar mais energia pra sociedade ali perto.
Gerar energia! Hoje em dia muita gente fica com raiva com aquele download que não terminou por que houve uma queda de energia, muita gente já ouviu “bronca” por deixar a TV desligada em stand by ou por não ter desligado o stand by ou ainda, por ter deixado a TV ligada sem ninguém assistindo, à luz faltou justamente naquela hora que você estava estudando para a prova no dia seguinte. Você esqueceu de trocar a lâmpada do banheiro e agora tem que tomar banho ou fazer necessidades fisiológicas no escuro, e quando falta energia na hora daquele jogão na Rede Globo? É complicado. Ta calor! Ainda bem que existem os ventiladores e ar-condicionado, o liquidificador funciona para fazer aquela vitamina que só você sabe fazer e a máquina de lavar ajudou de forma significativa o serviço das empregadas, mais detonou aquela sua camisa que você tanto gostava mais que não podia ser lavada na máquina. Segundo a Aneel, até o dia 18 de Agosto de 2010, as nossas hidrelétricas geram 67,31% de toda energia consumida no país, com 863 hidrelétricas instaladas. Levando em consideração que temos um litoral de 7.408 quilômetros de extensão e que temos ventos ao longo de todo o ano, a energia eólica gera apenas 0,67 % da energia consumida no país. Importarmos do Paraguai 5,46 % da energia que consumimos, 2,17 % da Argentina, 0,19 % da Venezuela e 0,07 do Uruguai. No último filme do boxeador Rocky Balboa interpretado por Sylvester Stallone tem uma cena que me chamou atenção, o Rocky estar recordando um lugar que ele viveu e diz:
- Quando você vive muito tempo em um lugar, acaba se tornando este lugar.
Enquanto aquela camisa ficou danificada na máquina de lavar, o stand by da TV ficou ligado, você deixou de ouvir a voz do Galvão Bueno por alguns minutos e aquela vitamina ficou pronta. Eu tenho certeza que o seu João estar muito mais preocupado do que todos nós. Não deve ser fácil, ceder o local que nasceu, morou e criou sua família, para fazer pessoas passarem raiva ou não valorizarem a energia que tem a quilômetros de distância.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma noite alucinante I


Depois de atravessar baía de Alcântara em uma canoa que quebrou o remo, chegamos (eu, Rafael e Ighor) ao cais de Alcântara, com apenas o dinheiro de pagar a passagem de volta a São Luís e alguns trocados para um lanche. Mais teríamos que procurar um local pra dormi, pois era 18:00h e não havia mais nenhum barco para São Luís naquele dia.
- E agora o que agente faz?
- Vamos dormi na igreja, é a casa do senhor. O padre deve entender nossa situação. Eu falei.
Começamos a percorrer a principal rua que leva a Praça da Matriz que é a parte mais alta da cidade, reservada para os prédios públicos, igrejas e grandes sobrados. No caminho eu tive uma idéia:
- Vamos conversar alto para as pessoas saberem que estamos precisando de um local pra dormi, vai que exista alguma alma boa e nos ajude?
- É mesmo. Rafael fala com um tom de ironia e Ighor fica sorrindo.
Sempre que estávamos passando por um grupo de pessoas na rua começávamos a falar altas frases como:
- Cara, será que agente consegue um local pra dormi?
- Perdemos o último barco e não temos dinheiro para dormi em um hotel.
As pessoas olhavam três jovens descalços, sujos de lama, fendendo, queimados de sol, Ighor com seus olhos sempre vermelhos e com mochilas nas costas. Hoje eu reconheço que, dificilmente iríamos conseguir ajuda voluntária na cidade de sobrados, feita de paredes de pedra e cal e ainda com fachadas revestidas por azulejos portugueses, que foram tombadas pelo Iphan em 1948 como “Patrimônio Nacional”. Chegamos à igreja e para nossa surpresa, estava fechada. Batemos várias vezes e nada, a igreja fica numa elevação com uma vista privilegiada da baía e das redondezas. Dá até para avistar no horizonte, alguns prédios de São Luís.
- Por que agente não dorme aqui?
Colocamos as mochilas no chão e sentamos, nos fundos da igreja. Estávamos diante de uma vista espetacular, o mar ao fundo e os últimos raios de luz no céu, mais uma coisa fez agente sair de la. Muita “muriçoca”, “praga” ou mosquito seja la como você conheci esses insetos, alem de um inseto bem pequeno que eu conheço como “maruim”, tinha bastante. Esse monte de insetos era devido a um enorme manguezal que cerca toda a cidade de Alcântara. Não foi uma boa idéia ficar ali, levantamos e continuamos a vagar pela cidade até cruzarmos um monte de velhinhas andando e cantado, tocando uns tambores com suas vozes arrastadas (parecia uma procissão). Chegamos à praça matriz onde se realiza as principais festas da cidade, mais a praça estava quieta, sombria e úmida (havia chovido naquela tarde). Encontramos um beco e tive uma triste idéia:
- Vamos dormi ali?
- Ta muito úmido, como agente vai deitar naquele chão úmido? Tu é louco? Isso foi o que Ighor respondeu. E logo em seguida eu disse:
- Agente vai dormi aonde? Numa calçada? No meio do frio? Em todo lugar ta molhado.
Continuamos a andar e vimos um cyber que vendia lanches, nessa hora Rafael disse:
- Eu to com fome, vamos ver o que tem pra comer ali.
O cyber tinha cinco computadores e um cliente acessando, sentamos no balcão e perguntamos o que tinha pra comer. Pastel, foi o que Afonso, o dono do cyber disse. Pedimos vários pasteis, depois de horas sem comer ou beber aquilo era uma excelente refeição. Descobrimos, com Afonso, que em Alcântara existe uma moeda paralela ao real chamada “Guará” Rafael pediu para olhar uma cédula e continuamos a usar a mesma tática, falando que não tínhamos onde dormi, quase morremos na baía e o Afonso apenas ficava sorrindo das histórias, e nos riamos aquele riso de desespero e pensando: “Putz, esse cara não vai oferecer um local pra dormirmos?”. Até que uma hora eu disse:
- Cara, tudo que agente queria era uma sala para deitarmos no chão.
Eu quase falei que poderia ser uma sala de cyber que vendia lanches. Afonso continuava sorrindo, Rafael e Ighor também. Até que teve uma hora no auge do desespero eu disse:
- Afonso, será que agente pode dormi aqui na tua sala?
- Rapaz, infelizmente não vai dar (ele falou isso sorrindo).
Dava pra entender, colocar três estranhos em casa não seria um ato muito prudente, ainda mais que ele tinha mulher e filha. Saímos do cyber e sentamos em sua calçada, retiramos o caderno de anotações e os equipamentos (binóculos, cantil, camelbak...) e começamos a passar a limpo o que havíamos visto no ninhal dos Guarás. Nessa hora, passa do outro lado da rua um rapaz moreno e magro, vestindo um short grande e olhando para nosso equipamento. Ele se afasta e some nas ruas escuras de Alcântara. Aparece então à pequena “Lua”, filha do Afonso. Tinha uns 7 ou 8 anos e começa a conversar conosco, Rafael faz três origamis (do japonês: de oru, "dobrar", e kami, "papel”) que é a arte tradicional japonesa de dobrar o papel, criando representações de determinados seres ou objetos com as dobras geométricas de uma peça de papel, sem cortá-la ou colá-la. Lua acha bonito e ganha os origamis feitos por Rafael, duas estrelas e um camelo. Do outro lado da rua, o moreno magro de feições fortes passa novamente e eu digo:
- Ei Ighor, Rafael, da uma olhada naquele elemento do outro lado da rua. Já é a segunda vez que ele passa pela gente e fica olhando para nossas coisas.
Ele continua andando e dobra uma esquina, guardamos os equipamentos e a mulher do Afonso chega nessa hora perguntando sobre o que fazíamos.
- Somos estudantes de Biologia. Viemos observar os Guarás.
- Interessante, quer dizer que perderam a lancha pra São Luís?
- Foi.
- E vão dormi aonde?
- Não sabemos ainda, vamos procurar alguma calçada.
- Não! O que é isso? Eu consigo um local para dormirem, tem um jardineiro nosso que ta num casarão aqui perto, daqui a pouco ele chega e vocês podem dormi la.
- Poxa, obrigado.
O Afonso poderia ter sido mais gentil como sua esposa, não sei se ele foi cuidadoso por causa da mulher e filha ou se ela foi uma mulher ingênua que acredita nas pessoas. Mais tudo bem, estávamos aliviados (tínhamos um local pra dormi, era só isso que importava). Novamente o moreno passa do outro lado da rua mais uma vez, sempre olhando paras nossas mochilas e mais uma vez ele caminha até desaparecer na escuridão do final da rua.
- Esse cara ta querendo algo.
- E se ele seguir agente e tiver armado?
Passado certo tempo e nos ali na calçada conversando, a pequena Lua brincando com seus origamis, ouvimos a mulher do Afonso dizer que poderíamos ira para o casarão onde estaria o jardineiro.
- Ele é la de São Luís, esta cuidando do jardim da prefeitura. Acho que ele vai embora amanha também.
- Ele mora em qual bairro? Eu perguntei. E ela respondeu:
- No coroadinho.
O coroadinho é um dos bairros mais violentos de São Luís. Mais o cara era um trabalhador, jardineiro! Estava ali para trabalhar para a prefeitura de Alcântara, fomos então para o casarão. Rua deserta, escura e um silêncio terrível. O casarão parecia abandonado, muito sujo e com os rebocos das paredes caindo os pedaços, a porta se abre e para nossa surpresa, demo de cara com o moreno magro e de feições rudes que há algumas horas estava passando pela gente, pegamos um susto. Explicamos o que tinha acontecido com agente e que a mulher do Afonso nos enviara para la.
- Sem problema, podem entrar e ficar à-vontade. Eu vou dormi la em cima com um colega meu e vocês podem ficar onde acharem melhor.
Entramos no casarão e constatamos que estava realmente abandonado, o único móvel que vimos foi um sofá todo rasgado e fedido no meio de um corredor, no final do corredor havia uma escada muito suja que levava ao andar superior.
- Cara, e agora?
- Eu vou dormi aqui. Foi o que Ighor respondeu.
Resolvemos subir a escada e ver o que tinha la em cima, a escada levava a uma varanda no segundo andar que estava completamente suja de lixo, urina e fezes de gente.
- Vamos procurar outro lugar pra dormi. Esse cara tava passando pela gente toda hora e já observou que agente tem equipamento de valor.
- Se esse cara for um mau elemento, pode matar nos três aqui, nos roubar e ir para o coroadinho em São Luís, quem vai saber quem matou agente?
- Aqui ta sinistro mesmo.
Nessa hora o meu celular começa a tocar. Pronto, agora nosso amigo sinistro já sabe que alem dos equipamentos também temos celulares.
- Alô? Quem ta falando? Era minha namorada preocupada comigo, pois eu não havia chegado a São Luís.
- Agente perdeu o barco, mais estamos voltando amanha na primeira lancha.
- Estar tudo bem ai?
- Claro, tenho que desligar agora, depois te explico certo?
Saímos do casarão e fomos avisar ao Afonso e sua mulher que iríamos procurar outro lugar, explicamos os motivos foi quando ela compreendeu e falou:
- Tem outro lugar, a casa de cultura de Alcântara.
- Beleza.
A casa de cultura estava se preparando para a Festa do Divino, a festa tem seu ápice durante o domingo de Pentecostes (50 dias após a Páscoa), mas os rituais começam na quarta-feira da semana anterior, quando o Mastro do Divino, um tronco de 10 metros, é levado pelos devotos do porto até a Praça Gomes de Castro. Acompanhados de músicos e sob foguetório, eles fixam no alto do tronco a bandeira do Divino. Fomos bem acolhidos na casa, tomamos banho, e separaram um tapete enorme no chão de uma sala para deitarmos. “Ufa, conseguimos”, deitamos no chão um ao lado do outro e começou uma chuva de “muriçocas” de madrugada. Eu levantei minha cabeça e olhei no fundo do salão a estátua do Divino em cima de uma mesa, a mesa estava coberta por uma toalha. Levantei-me, retirei a toalha, voltei para o chão e me enrolei. Na manhã seguinte, Rafael e Ighor estavam com muitas marcas de picadas de muriçocas, a “toalha do Divino” me protegeu. Pegamos a lancha de volta a São Luís antes das 6:00. Estávamos indo de volta para casa.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

3 Loiras


Existem alguns animais que vivem em sociedade como formigas, abelhas, vespas e cupins, até o ser humano (sociedade conflituosa às vezes, olha o caso do goleiro do Flamengo). Mais essa forma de viver é um pouco incomum em outros animais como aranhas. A muito tempo eu observei uma quantidade muito grande de aranhas vivendo na mesma teia e após alguns anos resolvi voltar ao mesmo local que fica no sul do Maranhão. Rafael (o mesmo que quase morreu comigo uma vez na Baía de Alcântara) me acompanhou nessa visita a essas criaturas de oito patas. Partimos de São Luís as 08h00min de trem e chegamos no final da tarde na cidade de Açailândia que fica no extremo Oeste do estado, de lá pegamos um ônibus até a cidade de Imperatriz onde passamos a noite. Pela manhã, na rodoviária pegamos um ônibus com destino a Carolina, mais 33 km antes de chegarmos a Carolina que fica já no sul do Maranhão, pedimos ao motorista que parasse o ônibus. Descemos a um banho já bastante conhecido na região chamado Santuário da Pedra caída, onde tem que se pagar na entrada e para conhecer as cachoeiras do local na companhia de um guia. Descendo do ônibus ao meio dia, eu disse:
- Rafael, vamos comer alguma coisa agora e depois agente entra.
Afastamos-nos um pouco da entrada da Pedra Caída e sentamos na beira do asfalto, começamos a comer. Barriga cheia, levantamos e resolvemos não entrar no Santuário pela entrada:
- Rafael, vamos passar aqui por essa cerca e seguimos direto, mais a frente chegará a uma “fenda” no meio do Cerrado por onde a água passa. Agente desce e seguimos a pé na mesma direção da água até chegar nas aranhas.
- Beleza, quando agente descer essa fenda e começar a andar, fica distante quantos metros?
- Sei lá, mais ou menos uma hora e meia andando até chegar la.
Entrar na propriedade da Pedra Caída sem pagar foi fácil, depois de quase uma hora chegamos até o caminho que nos levava até a uma escada que descia 46 metros de profundidade e chegava à água. Mais quando descíamos escutamos um grupo de turistas que vinha da cachoeira sendo guiados por um dos guias do Santuário. Nessa hora saímos do caminho e ficamos escondidos atrás de um morro ao lado, ficamos abaixados e escutando o grupo de turistas passarem do nosso lado. Depois de alguns minutos, achando que o grupo havia acabado, outro grupo agora estava indo para a cachoeira, continuamos no mesmo local:
- E agora meu patrão? Pergunta Rafael.
- Vamos esperar esse grupo voltar da cachoeira, quando eles passarem por aqui, saímos rápido e vamos em direção a cachoeira antes do próximo grupo aparecer.
Deu certo, quando o grupo retornou da cachoeira e passou por onde agente tava escondido, saímos do esconderijo e começamos a correr em direção a escada que leva a cachoeira, descida a escada, chegamos à água onde dobramos para a direita, direção contrária a cachoeira, começamos a andar. Até ali estávamos a salvo, pois todos os grupos de turistas que chegavam ali no final da escada dobravam para a esquerda em direção a cachoeira. Após algumas horas encontramos as aranhas, tiramos fotos, recolhemos algumas e voltamos, quando chegamos na escada outra vez tinha um guia em pé nos olhando com uma cara nada boa:
- Vocês estão vindo de onde?
- Do Cerrado, estamos vindo a pé por dentro do Cerrado desde manhã, encontramos esse rio e seguimo-lo até aqui, eu achei que ele fosse o rio que passa na Pedra Caída e resolvemos acompanhar, pois eu conheço o “seu Jaime” e ele poderia nos dar uma carona até Carolina. Eu Responi.
Até onde eu sabia, o “seu Jaime” era o dono da Pedra Caída que sempre me dava carona da Pedra Caída para Carolina, eu o conheci em uma outra ocasião, mais para minha surpresa o guia responde:
- Seu Jaime não é mais o dono disso aqui não, ele vendeu. Tem outro dono agora.
Eu pensei: “fudeu, como agente vai chegar à Carolina agora? São 33 km”. Nessa hora eu falei:
- Já que agente ta aqui será que podemos ir a cachoeira rapidão?
- Olha o outro grupo já está pra voltar, tem que ser rápido.
- Beleza.
Alem de termos entrado na Pedra Caída sem pagar, estávamos indo a cachoeira também sem pagar o Rafael teve a cara de pau de fazer uma pergunta cretina para o guia:
- Meu patrão, será que tu poderia olhar nossas mochilas enquanto agente vai lá?
- Cara deixa escondida ali atrás de uns arbustos.
- Beleza.
Começamos a correr em direção à cachoeira, quando Rafael fica para trás. Depois de alguns minutos na cachoeira eu observo Rafael chegando mancando, ele tinha fraturado o menisco do joelho.
- Porra caralho eu quase morri ali atrás de dor e gritei pra ti parar e tu continuaste correndo.
- Foi mal, eu não ouvi.
Horas depois estávamos no barzinho que fica na parte de cima do Santuário da Pedra Caída pensando em como iríamos chegar a Carolina, pois o atual dono nos afirmou que não poderia nos dar carona, pois o carro estava locado (mentira). Por volta das 17:30 tomamos a decisão de ir a pé os 33 km com as mochilas nas costas e o menisco do Rafael rompido, compramos duas garrafas de água mineral e começamos a andar. Mais ou menos vinte metros de caminhada depois, para um carro ao nosso lado. Olhamos três loiras dentro, e uma delas fala:
- Vocês querem carona?
Eu e Rafael nos olhamos meio sem acreditar e depois olhamos para as loiras:
- Vocês estão indo para Carolina? Eu pergunto.
- É.
- Agente aceita.
Elas nos deixaram na Rodoviária de Carolina, foram para o hotel que estavam hospedadas e tudo acabou bem. Nunca entendi a expressão lôraburra.

domingo, 1 de agosto de 2010

Lugar errado na hora errada


O garoto em destaque na foto acima se chama Glaydson, essa é uma das poucas fotos que eu tenho com ele (eu sou esse outro de braços cruzados, logo atrás). Foto antiga, tirada em 2000. Nesse dia, eu, Glaydson e uma turma fomos passar o fim de semana na fazenda da mãe do “bia”(Edson). O primeiro morro que eu escalei na vida foi no ano de 1998 e até hoje foi inesquecível, na escalada passamos por 400 metros de terreno bastante inclinados e dois paredões na vertical, o detalhe dessa escala foi que fizemos ela sem equipamentos de alpinismo, passamos por situações de risco isso é verdade, mais não saiu da memória o que eu, Beto e Glaydson passamos. Na escalada, eu seguro em uma pedra que se solta e atingiu o Glaydson de raspão, isso a uns 200 metros de altura, foi por pouco. A vista no topo não tem como descrever, depois de uma meia hora resolvemos descer, fomos até uma banho próximo onde havia um barzinho, estávamos eu e Beto tomando uma coca-cola com misto quando escutamos o barulho de um copo de vidro se quebrando no chão. Quando olhamos no meio de várias pessoas, vimos o Glaydson com o pé todo ensangüentado, um caco de vidro foi de encontro ao seu pé e cortou a sua veia, Glaydson, entre tantas pessoas que estavam lá, foi o único que se cortou (impressionante). Ele perdeu muito sangue, mais foi levado a um hospital e tudo ficou bem. O ano agora é 1999, e já alguns anos eu e vários amigos fazemos trilhas de bike, em uma dessas trilhas realizada no estado do Tocantins o Glaydson participou. No início foi tudo tranqüilo, andando em terra de chão, poeira, lama, sol...foi quando o meu amigo Beto, que também estava nessa trilha, gritou la atrás:
-Ei, parem ai!!!
Paramos as bikes, Beto nos acompanha e fala que outro amigo nosso mais atrás também pediu para parar. Ficamos parados na beira da estrada um certo tempo, sempre na indecisão de voltarmos ou esperarmos. Mais como nos pediram pra para e não voltar ficamos parados. Foi quando o Bia chegou e disse:
- Porra vocês são foda.
- o que aconteceu?
- o Glaydson caiu da bike e quebrou a clavícula.
- Puta que pariu!!!
Mais o Bia já tinha levado o Glaydson até o porto da balsa, que atravessava o rio Tocantins para chegar ao Maranhão, e um de nossos amigos voltou com ele em direção ao hospital. Terminava ali a trilha do Glaydson. Anos depois, acontecia um carnaval na cidade de Imperatriz-MA e Glaydson foi participar da festa, comprou seu abada, pegou sua moto quase sem gasolina e se dirigiu a avenida beira-rio, local onde acontece o carnaval nessa cidade. Chegando ao local, Glaydson percebe que sua moto não tem mais gasolina para chegar até um posto, ele resolve então procurar algum conhecido que tenha moto ou carro para ir até um posto de gasolina mais próximo pra colocar em sua moto. Ele consegue, encontra um amigo que está de carro e os dois vão juntos a um posto de gasolina que fica perto da Praça Mané Garrincha, ao lado do estádio Frei Epifânio. Gasolina comprada, o carro é ligado e saem em direção ao carnaval, na primeira esquina, eles são fechados por um carro que bloqueia sua passagem pela rua, nessa hora ouvi-se uma fritada de pneus muito forte. Todos que estavam na praça olham sair de dentro do carro que bloqueou a passagem do outro, um homem com uma arma na mão. Ele vai em direção ao amigo do Glaydson e dar um tiro em seu peito, Glaydson entra em pânico e sai do carro rapidamente e começa a correr, o homem coloca seu braço com arma em punho sobra o carro e dar um tiro fatal na cabeça do Glaydson que cai no chão agonizando. O homem retorna a seu carro e sai em disparada, A população local chama uma ambulância e Glaydson ainda fica vivo durante algumas horas em uma sala de UTI, antes de amanhecer o dia, Glaydson estar morto. Agente conhece muitas pessoas nessa vida, e dessas, eu só vi o Glaydson fazendo mal a alguém uma única vez, quando ele me massacrava no vídeo game jogando Mortal Combate, ele trabalhava ensinando informática em uma escola no bairro que morava, juntou dinheiro comprou sua moto e ajudava em casa nas despesas. Participava da uma Igreja pequena na cidade de Imperatriz e ajudava na comunidade através de trabalhos voluntários que envolvia computação, não sei por que ele sempre estava no lugar errado e na hora errada. O mundo estaria um pouco melhor se ele estivesse ainda aqui entre nós fisicamente. Não quer dizer que a frase é verdadeira, mais toda vez que eu me lembro desse cara, me vem a cabeça uma frase do Renato Russo: “É tão estranho, os bons morrem jovens”.