domingo, 24 de abril de 2011

Navio Fantasma



Navegar, para muitos é uma sensação ótima, para outras pessoas é um pesadelo. Algumas pessoas passam a maior parte sua vida em alto mar, outras sonham em ver o mar. Entre tantas embarcações que existe, o Catamarã é sem dúvida a embarcação que eu mais utilizei em viagens pelo mar. Apesar de ter velejado em vários tipos de embarcações pelo Atlântico, como essa Biana que estou na foto acima, usada para atravessar o canal do Boqueirão, sem dúvida nenhuma as minhas viagens se comparam a que foi realizada pelo navio Baychimo em 1931. Em primeiro de outubro daquele ano, esse navio navegava pelo Alasca transportando peles e, com um frio abaixo de zero, todos abordos estão entediados e despreocupados até que um solavanco joga dos os tripulantes para frente. Todos se entre olham e os marinheiros mais experientes já sabem do que se tratava, um enorme bloco de gelo aprisiona o velho navio Baychimo. Todos se encaminham para o convés e o capitão forma grupos que se encarregaram de tentar tirar o navio do imenso bloco de gelo, depois de algum tempo todos percebem que não da mais pra continuar a vigem no velho navio de carga, e a tripulação caminhou por cerca de 1 km até a cidade de Barrow.


Dois dias depois o navio se desprende do gelo e toda a tripulação retorna a viagem que durou cerca de uma semana, pois o navio agora navegando em um local totalmente remoto encontra outro bloco de gelo e toda a tripulação percebe que aquele navio jamais sairia daquele gelo naquele local. A companhia dona do navio, então se mobiliza e manda algumas aeronaves para resgatar a tripulação, pois o local é extremamente remoto. De toda a tripulação retirada, 15 marinheiros permanecem no navio, pois ainda existia a possibilidade deste se libertar do gelo do Alasca e continuar sua viagem, os 15 marinheiros estavam dispostos a ficar todo o inverno no navio se fosse necessário, estavam com mantimentos e todos eles já tinham experiência de sobra em lugares gelados. Primeiro, fizeram um abrigo próximo ao navio, pois em uma situação dessas o navio poderia ser esmagado ou afundar no meio de uma madrugada e todos os marinheiros acabariam no fundo do oceano gelado. O abrigo ficava próximo ao navio, e a medida que os dias passavam, eles verificavam se o navio havia se desprendido. Dia após dia, gelo e mais gelo, sabe aquela sensação de quando você se acostuma em uma cidade, e vai para uma cidade menor o tempo parece que passa mais lento? Imagina ficar em um lugar com temperaturas abaixo de zero e em todo o horizonte a única coisa que se consegue enxergar é a imensidão do branco? Gelo e mais gelo.



A rotina é a mesma, se alimentar de 5 em 5 horas, revezamento de quem iria olhar o navio e olhar para o branco, olhar para o gelo, olhar para o horizonte branco. Até que os céus mudam a rotina dos 15 marinheiros, nuvens escuras começam a se formar no céu e um vento muito gelado toca os rostos dos marinheiros, esse vento vem acompanhado de neve e todos se abrigam no acampamento feito de madeira, nessas horas todos ficam sentados em uma sala e cada mente pensa em algo, alguns provavelmente pensaram em suas famílias, outros em um lugar quente e seguro, outros talvez pensasse que aquela tempestade no meio do pólo norte congelaria todos e que ficariam ali sepultados junto com o velho Baychimo. Horas depois a tempestade passa e chega a bonança, todos saem do abrigo e pra surpresa de todos o navio não estava mais encalhado.




Onde estaria o velho Baychimo? Teria se desprendido e estava a deriva agora? Teria naufragado? O acampamento, os dias em espera no meio do gelo, as horas de tédio... tudo em vão, o navio Baychimo havia sido sepultado no meio do pólo norte por uma tempestade no dia 24 de novembro. Ou seja, quase dois meses depois do primeiro encalhe o velho navio de carga dormia em paz. Os marinheiros são então resgatados e alguns dias depois um dos marinheiros recebe a visita de um Esquimó da região afirmando que tinha visto o navio a deriva a uma distância de uns 75 km do ponto de encalhe. Foi então que o navio Baychimo foi batizado de “navio fantasma” pois, apesar de estar a deriva, depois que enfrentasse a próxima tempestade do Alasca, ele afundaria no oceano gelado. Mais como existem mais coisas entre o céu e a Terra que a nossa mente consegue explicar, durante 38 anos o navio Baychimo foi visto em diferentes locais sempre perto do Alasca. Alguns meses depois no mesmo ano de 1931 o navio foi visto a 480 km a leste do encalhe, no ano seguinte, um viajante afirma ter visto o navio a deriva perto da costa do Alasca. E em Março de 1933, já a dois anos após o encalhe e posteriormente o seu desaparecimento, um grupo de Inuites (que são os membros da nação indígena esquimó que habitam as regiões árticas do Canadá, do Alasca e da Groelândia fugiam de uma tormenta e acabaram encontrando o velho navio de carga a deriva, la no navio eles encontraram abrigo e se refugiaram dentro do navio até a tempestade passar que durou 10 dias. Em Novembro de 1939, quase uma década depois, o capitão Hugh Polson, navegava pela região do Alasca e para a sua surpresa ele avista o navio Baychimo a deriva, o mar estava muito perigoso, com muitos icebergs entre o seu navio e o grande navio de carga a deriva, ele tenta resgatá-lo mais, devido aos muitos blocos de gelo, ele desiste e fica apenas admirando o velho navio desaparecer na imensidão do mar gelado, todos a bordo do navio do capitão Hugh Polson estão emocionados, ficaram cara a cara com o tão falado “navio fantasma”. Em Março de 1962, o velho navio foi visto por um grupo de esquimós a deriva no mar de Beaufort.


E em 1969 o Baychimo estava mais uma vez preso em um bloco de gelo. Esse encalhe e registrado e começa os preparativos para retirar o fantasmagórico navio do gelo, antes das equipes se mobilizaram para a retirado do Baychimo do gelo uma grande tempestade chega e as atividades são adiadas, logo após a tempestade, pra surpresa de todos não havia mais navio, apenas gelo, gelo e mais gelo. Onde estaria o velho Baychimo? Teria se desprendido e estava a deriva mais uma vez? Teria naufragado definitivamente? Provavelmente sim, pois aquele ano de 1969 foi o ano em que se tem os últimos registros do velho navio fantasma, que navegou durante 38 anos nos mares gelados do pólo norte. O que fez esse navio ficar a deriva por tanto tempo? Fantasmas ou uma grande coincidência? O fato é que depois dele, as histórias de navio fantasma chegaram até nos e chegará aos nossos filhos, netos, tataranetos e gerações e gerações irão ouvi-las. E tudo começou com o navio Baychimo em 1931. Em 2006, o governo do Alasca lançou um projeto para resolver o mistério do “Navio Fantasma do Ártico” e localizar o Baychimo, saber se esse navio ainda estava flutuando ou se tinham realmente naufragado, até agora não encontraram o navio nem flutuando, nem no fundo do oceano gelado do Ártico.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Um professor sem forças


O sol estava quente naquele dia, 12:50 do dia pra quem mora na região equatorial do planeta, recebe os raios solares na posição perpendicular, ou seja, os raios infravermelhos (que são os que provocam calor) cai direto em nossas cabeças. Resolvi então ir para a escola no meu carro que eu o chamo carinhosamente de “Batman”. Estacionei de frente a escola, em baixo de uma árvore, saio do carro e percebo duas mulheres sentadas em frente a uma mercearia, as duas conversavam e, como estavam arrumadas eu pensei que fosse professoras ou que trabalhassem na escola, na verdade uma era realmente uma professora e outra fazia parte do quadro de funcionários da escola, eu sentei perto delas e até em tão elas conversavam entre si, como nenhuma me dirigiu a palavra eu resolvi me “entrosar” e puxei assunto:

- Vocês também são professoras ai da escola?

- Eu sim, a outra aqui trabalha na secretaria, é a coordenadora. O senhor é professor?

- Sim, professor de biologia.

- a ta.

Pronto, estava estabelecida a comunicação entre pessoas que seriam colegas de trabalho, conversa vai, conversas vem e diversos assuntos são abordados até a diretora da escola chegar, pois estávamos esperando-a para uma reunião que seria realizada as 13:00 horas. Dentre os assuntos, começamos a falar sobre carros e a utilidades dele em uma cidade onde os termômetros chegam aos 37°C em dias normais, até que sou surpreendido com o comentário da coordenadora:

- Professor, se eu fosse o senhor eu não viria de carro aqui pra escola.

- Por que?

- Uma vez, a professora de geografia veio de carro e os alunos ficaram riscando o carro dela com tampinhas de refrigerante brincando do jogo da velha. O carro ficou todo riscado e ela nunca mais veio de carro pra aqui.

Nessa hora eu fiquei pensativo e tentando me colocar no lugar dessa professora, fiquei imaginando o que eu faria se eu tivesse no lugar dessa professora. Confesso que não tenho a mínima idéia do que eu faria, continuamos conversando e a diretora chega, junto com os demais membros do corpo docente da escola, começo a andar em direção a escola e percebo que tinha deixado a carteira no carro, para no meio da rua e dou meia volta em direção ao carro para pegar minha carteira. Retorno a escola e entrando na sala, faço o que todas as pessoas fazem, pelo menos o que eu acho que todos deveriam fazer, dar boa tarde a todos.

- Boa tarde!

-Boa tarde.

Apenas uma mulher, e justamente a que se encontrava mais distante de mim me dar boa tarde, todo o resto das pessoas na sala estão de caras fechadas. E o pior disso tudo, é que um dia anterior, aconteceu a mesma coisa, eu cheguei e dei boa tarde e a mesma pessoa me respondeu. A reunião começa, ao final ficou decidido que eu e mais alguns professores daria aula, os demais estavam participando da greve dos professores do estado. Detalhe, eu me formei em Ciências Biológicas e fiz o seletivo do estado para lecionar a disciplina de Biologia no ensino médio, chegando à escola, percebo que a realidade é um pouco diferente do que tinha nas linhas do edital do seletivo, eu iria ministrar as disciplinas de Ciências no ensino fundamental ( eu fiz seletivo para lecionar no ENSINO MÉDIO), Química (eu fiz seletivo para lecionar BIOLOGIA) e Biologia (ufa, aleluia!). Por que isso acontece? Sinceramente eu não sei, mais sempre foi assim e pelo visto vai continuar sendo. No dia seguinte, é o primeiro dia de aula, e entro na sala e todos os alunos estão sentados e quietos, penso então em fazer algo para descontrair e quebrar o gelo da turma, falo o seguinte para cada aluno:

- Qual o seu nome?

- Rodrigo.

- Rodrigo, pra turma de conhecer melhor, me diz 3 coisas que tu gosta de fazer.

Eu repito esse procedimento em todos os alunos e percebo que alguns começam a sorrir e aquele clima pesado fica um pouco mais leve, a aula então começa. Como é o primeiro ano do ensino médio, começo a falar sobre o que caracteriza um ser vivo, pois estava dando aula de Biologia. Durante 30 minutos eu peço ajuda da turma para eles me darem exemplos sobre coisas do cotidiano deles, para eu poder construir minha aula com base nas coisas que eles estavam acostumados a ver, e durante 30 minutos eu falo sozinho na sala, parecia mais um monólogo do que uma aula.

- Turma, alguém pode me dizer algo que viu na rua quando vinha aqui pra escola? Qual quer coisa que viram no caminho de casa até aqui?

...

Era impressionante, ninguém falava nada, essa turma não tinha nem aqueles engraçadinhos fazendo piadinhas com os assuntos da aula. A sala era quente e abafada, todos os alunos estavam se abanando e contávamos apenas com um ventilador ligado na lateral da sala, apenas 3 alunos eram beneficiados por aquele vento seco e abafado que soprava do ventilador, eles eram beneficiados por estarem sentados de frente a ele. Final do horário eu peço aos alunos que elaborem um texto sobre o que eles achavam da ciência em geral, gosto de ver o ponto de vista dos meus alunos antes deles terem as minhas aulas, pra mim ter uma idéia do tipo de aluno que está em minhas mãos. Na hora que os alunos estão elaborando o texto eu comecei a refletir sobre a profissão de um professor, até que tipo de condições os professores tem que se submeter sem fazer nada? Comecei a pensar sobre alguns pontos nessa escola especificamente:

Primeiro: Nos dois dias que entrei na secretaria e dei boa tarde, apenas uma mulher me respondeu, todas as outras pessoas ficaram com as caras fechadas e em silêncio. Que tipo de ambiente de trabalho é esse?

Segundo: Um professor que tem carro não pode ir a esta escola por que os alunos ficam riscando o carro com tampinhas de refrigerante. Que tipo de educação esses alunos estão tendo para chegarem a o ponto de achar isso uma coisa normal? Riscar o carro do professor ou professora?

Terceiro: Estudar em uma sala de aula com apenas um ventilador debaixo de um sol de quase 40°C do lado de fora? Aquilo lá parecia mais um microondas de humanos vivos. Quarto: Fazer um seletivo para lecionar uma matéria e o estado de entrega outras matérias que você não é formado, tem cabimento uma coisa dessas?

Quinto: ficar responsável por seis diários, ou seja, seis turma. Em cada turma com média de quarenta alunos, em todas as salas o professor tem que elaborar provas e corrigi-las, além de lançar notas de todos os alunos, e tudo isso ganhando o salário astronômico de 660 reais. É mole? Por que o concursado ganha em torno de 2.000 reais e o contratado ganha 3 vezes menos? O contratado vai trabalhar 3 vezes menos?

Sexto: eu recebi uma ligação de uma escola com uma proposta de ministrar a metade das aulas que eu estava acertado no contrato e com outra diferença, o salário de mais de 1.000 reais! Aaaa, eu quase me esqueci, nessa outra escola eu lecionaria Biologia.

Pensando em tudo isso, bateu um sentimento de revolta e de frustração, pela primeira vez em 7 anos de sala de aula e me senti frustrado em estar la na frente, olhando para os alunos escreverem e pensando que não teria como eu continuar naquela escola. Não tive coragem de dizer aos alunos que não continuaria sendo seu professor, e olha que eu não conhecia nenhum aluno ali, era o primeiro dia de aula. Até que em um momento eu digo:

- Turma eu vou ali e já volto.

Saio da escola e nunca mais voltei. Sem adeus ou despedidas.