domingo, 14 de novembro de 2010

Enseada dos Desesperados


Somente por duas vezes, pesquisadores ou alunos com fins científicos pisaram seus pés nesse local da foto acima. Eu tive o privilégio de participar nas duas ocasiões, acho que todo estudante de biologia ou das ciências naturais que trabalha no campo sempre tem o desejo de pisar em territórios nunca explorados antes pela ciência. Quando chegamos a lugares como esse da foto, não tem como, não pensar nas grandes expedições que entraram para a história da ciência como a do Alfred Wegener que foi o primeiro pesquisador a propor a teoria da deriva continental, em busca de encontrar a prova de sua teoria navegou para o pólo norte e ninguém nunca mais viu seu corpo outra vez. Alfred Russel Wallace que viajou por diversas partes do mundo e em 1958 chegou às mesmas conclusões de Charles Darwin a respeito da evolução das espécies. Darwin que sem dúvida possui a expedição mais conhecida do mundo da ciência. Eu não tenho nenhuma expedição em um nível mundial, mais aposto que tanto Wegener, Wallace, Darwin e eu, assim como quem chega num local nunca explorado antes, sente a mesma sensação. Em uma das viagens que fiz a Ilha do Cajual eu fiz a seguinte pergunta para meu professor de Paleontologia chamado Manoel Alfredo.


- Manoel, existe algum ponto na ilha nunca explorado até agora?
- Sim, a parte sul da ilha nunca foi explorada. Não tem como chegar la, eu já tentei uma vez mais antes de chegar no sul da ilha tem uma enseada que inunda rapidamente, se não sair rápido a maré cobre tudo muito rápido.
- hum.


Acontece que em uma das viagens para esta ilha, eu e meu amigo Fábio Beluga decidimos tentar alcançar a parte sul da ilha, terminada a aula prática, eu, Fábio e Andersom começamos a nos afastar do grupo e Manoel Alfredo pergunta:


- Aonde vocês vão?
- Vamos chegar à parte Sul da ilha.
- Olha, é perigoso.
- Tranquilo.


Começamos a andar e em pouco tempo percebemos que todo o grupo que tinha viajado para a ilha para assistir a uma aula prática de Paleontologia estava nos acompanhando, horas de caminhada depois chegamos à enseada. Estava completamente inundada, dava pra se ver as rochas bem distantes e um braço de mar enorme na nossa frente, eu pergunto a Manoel:


- É ali?
- É. Está vendo o tamanho da enseada? Uma vez eu e um grupo tentamos atravessar quando a maré estava baixa, quando estávamos pra chegar do outro lado, a maré começou a subir, foi um desespero, começamos a correr e chegamos aqui com água no peito já, se tivéssemos ficado mais 5 minutos a maré teria levado todo mundo.
- Certo.


Voltamos para as barracas que estavam armadas na praia e no dia seguinte fomos embora da ilha. Seis meses depois, uma nova viagem para a Ilha do Cajual estava programada, e as vésperas da viagem, em uma Sexta-feira, eu juntamente com os estagiários de Paleontologia, estávamos no bar Papagaio Amarelo no Reviver em São Luís. Todos conversam, contavam piadas, risos. Ronny Barros percebe que eu estava bem sério na mesa.


- O que tu tem pô?
- Eu vou chegar à parte Sul da Ilha do Cajual.
- Tu já ta bêbedo? Tu não viu o tamanho daquela enseada naquele dia?
- Eu vou chegar à parte Sul da Ilha do Cajual.
- Tu vai com quem louco?
- Sozinho. Se alguém quiser me acompanhar...
- Louco, como tu vai atravessar a enseada?
- Nadando.
- Caralho, deixa de ser louco. Tu ta querendo é morrer?
- Eu vou chegar à parte Sul da Ilha do Cajual. Tu quer ir Rafael?
- Na hora.
Nessa hora, Rafael Lindoso entra na conversa e pergunta para Ronny:
- Tu sabes nadar Ronny?
- Sei caralho, mais não tem como atravessar ali a nado não louco.
- Ronny, deixa que eu compro uma bóia de patinho pra ti que vende la na entrada do Cohatrac.


Partimos mais uma vez para aquela Ilha inóspita, é Sábado, e o grupo de estudantes vai assistir a uma aula prática de Paleontologia, eu fico no acampamento e junto lenhas, ascendo a fogueira, a noite se aproxima e o grupo retorna. Já está escuro e as meninas se preparam para tomar banho em um córrego perto, os homens esperam elas terminarem para depois fazerem a mesma coisa. Horas depois, jantar a luz da fogueira, bebidas começar a surgi no meio do grupo, um violão toca músicas que todos conhecem e mais uma vez a Ilha do Cajual é palco de uma confraternização de pessoas que gostam de estar ali em contato com a natureza, em um lugar sem energia elétrica, sem água potável, sem pessoas, sem nada...apenas a fogueira no meio do grupo, álcool na garganta da maioria, as ondas do mar indo e voltando, a mata escura no fundo e o céu escuro sem estrelas carregado de nuvens. De madrugada todos estão nas barracas e eu acerto meu relógio para despertar as 5:45 da manhã. O relógio toca, eu abro os olhos, abro a barraca e vejo o céu alaranjado no horizonte e penso que em poucos minutos o sol vai surge e fazer mais um espetáculo gratuito em que a maioria do seu público dorme, a brisa de manha cedo é fria. Eu saio da barraca e abro um pacote de biscoitos nikito junto com Taff – man, coloco minha Camelbak nas costas e vou pra a barraca onde Ronny dormia.


- Levanta porra, vamos.


Faço a mesma coisa na barraca do Rafael Lindoso, ninguém vê nossa saída, não teve despedidas, muitos menos boa sorte. O acontecesse só seria descoberto se alguém de nós sobrevivesse para contar a história. E partimos... Três horas e meia de caminhada depois chegamos à enseada, a maré estava vazando. Eu olhei para Ronny e Rafael e falei:


- Vamos la galera. Vamos atravessar essa porra.


Começamos andar e a água estava na nossa canela, mais o solo não era firme, era uma enseada formada de lama, então em várias partes atolávamos mais continuávamos andando até chegar às rochas do Sul da Ilha, eu tinha feito os cálculos um dia antes, e percebi que se entrássemos na enseada com a maré vazando, e se gastássemos 30 minutos para atravessá-la e 30 minutos para voltar, teríamos 30 minutos para explorar as rochas do Sul da Ilha, pois a maré faz uma pausa de 1h para voltar a subir ou descer, e foi o que aconteceu, Eu juntamente com meus amigos Ronny Barros e Rafael Lindoso colocamos os pés nas rochas que nunca tinham sido exploradas, e para nossa surpresa, encontramos um tronco de árvore inteiro de quase um metro fossilizado, aquilo daria uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado, resolvemos deixá-lo em um ponto específico de la, pois era muito pesado para ser carregado.


- Agora que agente sabe como chegar aqui, voltamos com um grupo maior e mais preparado para levar esse troco.
- Beleza.


Retornamos e ao atravessarmos a enseada, olhamos para trás e vimos o mar cobrindo tudo outra vez, durante a caminhada de volta o céu ficou bastante carregado e começa a chover, parecia uma purificação pelo nosso feito e nessa hora eu desabafei as gritos com a ilha:


- E AGORA PORRA? O QUE TU VAI FAZER?
- Emílio tu ta ficando doido?
- FALA ILHA MALDITA, É SÓ ISSO QUE TU TEM ? MERDA!!!
Nessa hora todos nos ouvimos um estrondo de um trovão e o Ronny e o Rafael levam um susto.
- Cala essa boca porra, tu ta ficando doido.
- Ei pô, não brinca com coisa séria.
- GRITA ILHA MALDITA, CARALHO, PORRA, AGENTE CONSEGUIU MERDA, TU PENSA QUE EU TENHO MEDO DE TI?


Mais trovões e chuva, chegamos encharcados, todos estão protegidos em baixo de uma falésia e quando o grupo nos avista surge a clássica pergunta.


- Onde diabo vocês foram?

10 comentários:

  1. Pô bicho tu é doido mesmo, não há dúvida kkk!
    A sensação de aventura deve ser ótima mesmo: desbravar, conhecer, desafiar e se superar. É isso que enriquece nossas vidas, realiza nossos sonhos e o que torna a biologia uma profissão tão legal!
    Vamo lá Ronny! Tu já sabe o caminho...

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  2. Concerteza, de doido todo mundo tem um pouco. rsrsr

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  3. Emilio tú surtou de vez lá foi?!Fumou ou usou alguma coisa que não devia?...hsauhsuahsuahsauhsauh

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  4. A Ilha do Cajual ainda guarda muitos segredos....

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  5. Nesse fim de semana tem viagem pra lá de novo... Qual foi o cálculo mesmo?? rsrsrs

    Bela narrativa!

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  6. Respondendo a Rafael Lindoso: Realmente, quanto mais se percorre aquela ilha, mais coisas são descobertas.

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  7. Respondendo a o outro Rafael: Qaundo a maré baixa, ela pasa 1h pra voltar a subir (estôfa de maré, então se tu passar 30 min para ir e 30 para voltar tu não pode ficar nenhum minuto la, por isso tu tem que chegar la 30 minutos antes da maré mais baixa, atravesa, fica 30 minutos la e quando voltar tu vai gastar os 30 minutos que irão faltar pra maré começar subir, sendo que tu fica dentro da margem de segurança.

    Boa viagem animal la na ilha mais uma vez.

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